DALCASTAGNÈ, Regina (org.). Histórias em quadrinhos: diante da experiência dos outros. Vinhedo: Horizonte, 2012.

Essa densa coletânea de artigos sobre hq foi organizada por Regina Dalcastagnè, uma das pesquisadoras mais ativas sobre as relações do tema com a literatura, como fazem prova as Jornadas de Estudos sobre Romances Gráficos desenvolvidas pela docente da UnB, na qualidade de líder do Grupo de Estudos em Literatura Brasileira. Os trabalhos de Dalcastagnè se destacam por um corte crítico onde coexistem sofisticação formal (vide A garganta das coisas, importante esforço analítico sobre um dos textos de penetração hermenêutica mais difícil da obra de Osman Lins, nada menos que Avalovara) e o empenho por registrar a reverberação social da arte e da literatura (caso de suas pesquisas mais recentes, focadas no estudo da representação dos grupos marginalizados no contexto da literatura brasileira contemporânea). Tais qualidades estão sobejamente demonstradas na organização desse volume. É a partir de uma perspectiva múltipla que Histórias em quadrinhos: diante da experiência dos outros se articula, com docentes e pesquisadores das mais diversas instituições brasileiras (UnB, UFF, Unifesp etc) partilhando reflexões onde encontraremos, por sua vez, as mais diversas balizas teóricas e cortes críticos. Tudo, porém, sem o menor preconceito contra a arte sequencial, que, como bem salienta Regina Dalcastagnè, sempre sofreu "o duplo preconceito de ser, ao mesmo tempo, literatura de massa e destinada a crianças e jovens - o que servia, em última instância, para desqualificar uma expressão artística a partir da desqualificação (etária e de classe) de seus consumidores. Nada muito incomum no campo cultural, em que a distinção de alguns se faz a partir da desvalorização do gosto de outros". Estamos aqui, portanto, diante de um gesto crítico isento desse preconceito e, mais do que isso, além dos clichês habituais perpetrados na área de Letras sobre as relações entre quadrinhos e literatura (a surrada chapa das adaptações). Os artigos impressionam pelo arsenal teórico mobilizado, pelo qual o pensamento de importantes filósofos contemporâneos municia os autores em seus esforços analíticos. Nesse sentido, merecem destaque os artigos "Contra a culpa e a imobilidade: alguns quadrinhos antiutópicos" (de André Cabral de Almeida Cardoso), "A importância histórica e estética dos quadrinhos de guerra" (de Ciro Inácio Marcondes) e "História em quadrinhos e poesia" (de Rafael Soares Duarte). A diversidade é garantida, ainda, pela multiplicidade de temas abordados: dos heróis da Marvel aos mangás, passando por quadrinistas brasileiros contemporâneos, clássicos da arte sequencial, charges etc. Como o título sugere, há dois polos a partir dos quais a coletânea se sustenta: de um lado, os quadrinhos; de outro, a experiência da alteridade. Para o primeiro polo convergem textos densos e de fatura mais técnica (como o excelente "Retórica e poética do traço", de Benjamim Picado). Para o segundo, artigos focados em questões de identidade, registrando a tensão provocada pelas forças sociais no sentido de uma estabilização de padrões culturais. É a partir desses dois polos que o livro se articula e potencializa sua força crítica, nos lembrando,  assim, que, se como afirma W. J. T. Mitchell, literatura e artes visuais são linguagens antipódicas (assim, as diferenças entre texto e imagem poderiam ser lidas de forma semelhante à que lemos as diferenças entre o eu e o outro), caberia à arte sequencial o papel mercurial de mediador nessas relações (nem sempre) tumultuosas, (nem sempre) pacíficas entre o icônico e o verbal, entre o olhar e o dizer, realizando, assim, aquilo que Mitchell chama de "encontro entre outros semióticos". Merece destaque, ainda, o esmerado projeto gráfico do livro, que conta, em sua capa, com a colaboração luxuosa do quadrinista Laerte.  
JANUÁRIO, Alex. Caixa Gris. São Paulo: Edições Loplop, 2012. 

A Caixa Gris é a segunda publicação do poeta e collagista Alex Januário. Tendo participado de diversas exposições coletivas e internacionais orbitando em torno da persistência do movimento surrealista na contemporaneidade, Januário publicou, em 2009, Sete anos, novela-collage que remete, diretamente, tanto aos experimentos de Max Ernst nos anos 20 e 30 como à A ampola miraculosa, de Alexandre O´Neill, raro exemplar de roman-collage produzido no âmbito da literatura portuguesa da segunda metade do século XX. Três anos depois, Januário nos presenteia com essa Caixa Gris, onde testemunhamos um notável desenvolvimento em sua obra gráfica, assumindo posição destacada entre os collagistas em atuação no momento. Além das collages (que são verdadeiramente estupefacientes, materializando as ideias que Breton tinha sobre o maravilhoso e a beleza convulsiva), a edição da Caixa Gris é, por si, uma obra de arte, executada com máximo cuidado e refinamento (como, de resto, todas as publicações das Edições Loplop), o que a torna uma experiência sensorial à parte.